terça-feira, 6 de março de 2007

Anais Nin - escritora




Anaïs Nin (21 de fevereiro de 1903, Neuilly, perto de Paris - 14 de janeiro de 1977, Los Angeles) foi uma autora francesa que se tornou famosa pela publicação de diários pessoais, que medem um período de quarenta anos, começando quando tinha doze anos. Foi amante de Henry Miller e só permitiu que seus diários fossem publicados após a morte de seu marido.
Foi realizado no cinema um filme, Henry & June, dirigido por Philip Kaufman, que falava do período que Anaïs Nin conheceu Henry Miller. Anaïs Nin foi interpretada pela atriz portuguesa Maria de Medeiros.



ObrasEm busca de um homem sensível
Henry, June e Eu
Pequenos pássaros
A casa do incesto
O espião na casa do amor
Fome de amor
Diários Íntimos




Extracto do Diário de Anais Nin, Volume nº 7, 1966-1974, pág. 264
Transcrição da minha comunicação na cerimónia oficial de abertura do ano lectivo, no Philadelphia College of Art:
Sinto-me particularmente emocionada pela distinção que me é conferida por esta universidade, porque sempre me acusaram de ser em favor do artista. Não só me tornei num deles, como também aprendi e fui convencida que muito provavelmente o único mágico que temos é o artista. Foi James Joyce que disse, que a história era um pesadelo do qual temos esperança de conseguir acordar. Gostaria de vos contar, de que forma começaram o meu amor e intuição sobre os poderes mágicos da arte.
O meu pai e a minha mãe passavam a vida a discutir mas, quando chegava a hora da música, a paz instalava-se, a minha mãe cantava maravilhosamente, o meu pai tocava piano e sons de instrumentos de corda invadiam a casa toda e, nós as crianças, pensávamos: começou a magia, tudo é paz e beleza. Pelo que me diz respeito, aprendi muito cedo na vida que a música tem o poder de transformar, transfigurar, conferir beleza a um conflito.
Quando tinha dezasseis anos e me tornei modelo de um pintor, enquanto as jovens à minha volta se enfastiavam e olhavam para os relógios, eu aprendia coisas sobre a cor com os pintores. Mais tarde, aprendi a importância das imagens que terminei por utilizar constantemente no que escrevo, como se me chegassem por meio de sonhos, uma forma de pensar que nenhum tipo de vida moderna conseguiu ainda erradicar.
Enquanto escritora não tive outra ambição que não fosse transpor para a escrita todas as formas passíveis de expressar arte: na minha perspectiva, qualquer forma de arte deve alimentar a outra, cada uma pode sempre dar um contributo a outra. Foi assim que transpus para a escrita o que aprendi com a dança, a música, o design, a arquitectura. Em cada uma dessas formas de arte havia qualquer coisa que eu queria incluir na minha escrita, da mesma forma que queria que a escrita, a escrita poética, as englobasse a todas. Isto porque sempre considerei a arte não apenas como um bálsamo, um consolo mas, também, como referi anteriormente, como uma forma de magia suprema que está contida nalgumas palavras, as quais sempre recomendei aos alunos que escrevessem numa grande folha de papel que trariam consigo todos os dias. Todas elas eram palavras que continham o prefixo trans: cender, transmutar, transformar, transpor, transfigurar. Para mim, todos os actos da criação estavam contidos nessas palavras e, achava que fosse o que fosse que nos acontecesse, teríamos que encontrar a força, a harmonia, uma síntese que nos ajudasse a viver e que funcionasse como um núcleo protector contra acontecimentos externos e todo o tipo de experiências destrutivas. Sempre utilizei a arte como uma forma de me reconstruir. Estas são as razões pelas quais sempre fui em favor do artista, porque com ele aprendi que é possível criar a partir do nada.
Aprendi com Varda a fazer colagens com pedacinhos de tecido; na verdade, ele obrigou-me a cortar o forro do meu casaco para fazer uma colagem e, não há dúvidas que era muito mais bonito como colagem do que quando era o forro do meu casaco. Aprendi com Tinguely que era possível ir a uma sucata e fazer sátira a partir de uma máquina.....o poder de criar a partir do nada. Sentir que, por exemplo, nos dias em que estamos deprimidos em Nova Iorque, podemos ir até ao Metropolitan Museum of Art e contemplar “O Sol” de Lippold. Alguns de vós devem tê-lo visto; ocupa a sala inteira; ainda é mais radiante que o nosso sol ao natural. E, o simples facto de estar ali sentada a olhar para o sol de Lippold, faz com que a minha melancolia se dissipe. É por esse motivo que considero o artista como um mágico, porque possui em si próprio as anti-toxinas. Quando nos sentimos destroçados ou num estado de desespero ou tristeza em relação a tudo o que acontece lá fora, ser capaz de criar qualquer coisa a partir do barro, do vidro, de pedacinhos de um material qualquer, sucata, a partir de qualquer coisa, prova que o homem tem em si o poder de criar. Contudo, a História só me mostrou a luta pelo poder, pela posse. Na vida do artista, verifiquei que este tinha que ser uma pessoa dedicada, que não estava certo de quaisquer recompensas, que teria que esperar, que lhe estava reservada a mais difícil de todas as tarefas que é (nas palavras de Otto Rank), manter em equilíbrio os nossos dois desejos – o primeiro, não nos afastarmos dos outros; o segundo, criar qualquer coisa que nos possa alienar em relação à nossa cultura. O artista é aquele que tem de correr o risco da alienação, como eu corri durante muitos anos porque escrevia coisas que não faziam parte da “moda”, naquela altura. Tive que aguardar durante muitos anos até que se instalasse a sincronia entre os sentimentos desta geração e as suas atitudes e valores. Esta espera é muito difícil e sei que muitos escritores estarão a ela sujeitos. Precisarão de se dividir em dois: por um lado, para perceber e ser o reflexo da sua cultura, por outro, para conseguir ver para além dela. E, é nesse preciso momento, que começam a construir o nosso futuro, o futuro da arquitectura ou o futuro da música. É nestes momentos difíceis que às vezes os repudiamos ou os menosprezamos ou os tratamos com enorme indiferença. Por isso, sinto que o artista tem o poder de criar e que esse é um poder mágico, que pode transformar, transfigurar, transpor e transmitir a outros.
Gaston Bachelard, o filósofo francês, disse uma coisa muito comovente. Disse que, por vezes, pensa que o que o maior sofrimento que os outros nos infligem é o silêncio: o silêncio que envolve os nossos actos, os nossos relacionamentos, as coisas que não podemos dizer ou que não podemos contar aos outros. Houve momentos na América em que tive medo que as pessoas tivessem decidido não voltar a ler, nunca mais voltar a depender da literatura ou sequer conversar. Fiquei verdadeiramente preocupada até ter percebido que não era contra o conversar que as pessoas se insurgiam mas sim contra um tagarelar sem sentido; aquilo que rejeitavam era um tipo de literatura que não lhes oferecia a vida mas abstracções. Por essa razão, para que o romance não morresse, para que a escrita não morresse, tivemos que regressar às fontes da vida, o que quer dizer à biografia, o que significa basear tudo o que acontece em factos verídicos, não esquecendo, contudo, que a arte se encarrega depois de transformar esta verdade, de a transmutar em poesia. E é a poesia que nos vai ensinar a levitar. É isso que o poeta nos ensina, a levitar.
Bachelard também disse que o que o poeta fez foi tornar possível a nossa crença no mundo, o nosso amor pelo mundo e a possibilidade de o criar. Pela minha parte, acredito nisto firmemente, porque quando comecei a criar os Diários desconhecia que estava a criar um mundo que era uma antítese do mundo que me rodeava e, que eu rejeitava, onde só havia dor, guerras e inúmeras dificuldades. Eu estava a criar o mundo que eu queria ter e, para esse mundo, uma vez criado, convidam-se outros, aqueles que têm afinidades connosco. Então, transforma-se num universo, já não é um mundo privado mas qualquer coisa que transcende o pessoal e dá origem a esse elo de ligação. Bachelard diz que nós sofremos com o silêncio; o que os Diários fizeram foi falar e, depois, foi a vossa vez de falarem comigo....Desta forma o elo universal pode ser criado por cada um dos artistas se estiverem dispostos a voltar-se para a sua criação individual e não tiverem medo de ignorar a moda ou as directivas vigentes.
Quando o artista envereda por um caminho, no início esse caminho afigura-se-lhe solitário mas, mesmo assim, atreve-se a prossegui-lo. Essa ousadia e esse espírito de aventura são muito importantes. Mesmo quando comecei a escrever um diário, já estava a admitir que a vida seria mais tolerável se a encarasse como uma aventura ou um conto. Eu contava a mim própria a história de uma vida e isso transforma em aventura as coisas que nos destroem. A aventura é a viagem mítica que todos temos que fazer, a viagem ao nosso interior, a viagem que na literatura clássica nos leva através de um labirinto. É então que começamos a olhar para aquilo que nos acontece como desafios à nossa coragem – com isto não quero dizer que todos tenhamos que ser heróis – apenas, que todos temos que fazer a viagem e acreditar que seremos capazes de encontrar a saída do labirinto.

O erotismo de Anaïs ou a escrita da ilusão Ana Marques Gastão
A chave da obra romanesca de Anaïs Nin (1903-1977) é o seu diário, laboratório da criação, criação ele próprio, varinha mágica contra o esquecimento, a passagem do tempo, confidente, refúgio de um mundo hostil, indiferente, penoso. A criadora de A Casa do Incesto considerava-o um "Baedecker da liberdade", guia de uma viagem interior, onde se avança na nudez, mas de rosto mascarado. É essa voz cultivada e cosmopolita que se oferece para logo se derrubar num ritmo jazzístico, cujo sopro a autora queria reconstituir pela escrita, não apenas na perversão da objectividade do real, mas na reflexão subjectiva sobre a experiência.O Journal de Anaïs dir-se-ia o reflexo da sua luta constante contra a realidade. Por ele passam a relação com o pai e os amores/paixão (Henry e June, Eduardo, Rank...); a vida conjugal com Hugo; as cidades e as viagens; a noite e a nostalgia de um corpo vazio ou jubilatório; a escrita e o erotismo, a imaginação e a fantasia; Paris ou o México; os autores da sua predilecção, "três deuses das profundezas", Dostoievski, Lawrence e Proust; e os amigos, de Artaud a Duchamp, de Durrell a Brancusi, de Dali a Duras.É, portanto, uma voz diarista a de Anaïs, voz sussurrante tão poética quanto intelectual que atravessa os milhares de páginas do Journal, sem o qual não é entendível de forma satisfatória o sobressalto da sua ficção onírica que tantos dissabores lhe trouxe com as editoras. Condenada a não deixar Los Angeles nos últimos anos de vida, a escritora publica por poucos dólares, oferecidos por um coleccionador, uma recolha de contos eróticos escritos nos anos 40. Graças a Passarinhos (Little Birds) - agora publicado entre nós pela Bico de Pena -, o seu nome figurará pela primeira vez, e alguns meses após a morte, na lista dos best-sellers da Europa e dos EUA, suprema ironia que teria decerto apreciado, ela que se arriscou a a revelar-se (e aos outros) no seu vasto "atelier clandestino", o imortal diário para o qual viveu e por meio do qual tentou observar, reflectir e compreender o mundo.No prefácio de Passarinhos, Anaïs Nin confessa ter sido "ma-dre confessora de uma "invulgar casa de prostituição literária", acrescentando que a maior parte dos contos, escrita desesperadamente por dinheiro, foi feita com o estômago vazio "Ora a fome é óptima para estimular a imaginação (...) Quanto maior a fome, maiores os desejos, como os dos homens na prisão, desenfreados e obsidiantes."Anaïs Nin cultivou a " flor do erotismo" com a sua sensibilidade poética e romântica, melancólica e insinuante, transformando o corpo, o sexo, a inteligência do desejo numa ficção subterrânea que liga indefectivelmente um ser a outro em múltiplas orquestrações. E fê-lo nunca enveredando pela obscenidade à maneira de Miller ou Moravia, nem mesmo de certa prosa e poesia de Hilda Hilst.O discurso pornográfico exibe uma sexualidade sem mistério numa perspectiva descritiva e fria, vulgar até à náusea, usando o corpo como objectivo do enredo, apenas atento à satisfação imediata, e assim rompendo o contrato tácito que faz mover a roda do desejo não expor demasiado. O erótico, como o de Anaïs, é apresentado na linha de uma subjectividade sedutora aliada aos poderes do imaginário e a uma estética feminina alheia à crueza; entrelaça-se, pois, com o trabalho da ilusão, do encantamento, do claro-escuro. A avaliação dos limites deste tipo de literatura torna-se, porém, muitas vezes difícil - mesmo nestes contos - consoante a moldura social, moral, religiosa e cultural dos leitores que dela se aproximam.O sexo não é só corpo na obra de Anaïs, sobretudo em certas passagens do diário. Dir-se-ia esquecimento do corpo, tornando-se este mundo, paisagem, colapso, memória, acto. Os contos de Passarinhos, na sua irregularidade, não são dos mais belos textos da escritora, trazem-nos, contudo, a voz sensual e intensa de uma mulher que achava que nesse campo a linguagem, durante séculos nas mãos dos homens, estava por inventar, continuando a ser território inexplorado.

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