sábado, 3 de março de 2007

Guilhermina Suggia




A infância

Guilhermina Suggia nasceu a 27 de junho de 1885, filha de Elisa Augusta Xavier e Augusto Jorge de Medin Suggia (de ascendência italiana e espanhola).
O pai foi violoncelista no Real Teatro de São Carlos e professor no Conservatório de Música de Lisboa. No seio deste ambiente familiar Guilhermina terá começado a estudar música aos 5 anos, tendo por primeiro professor o próprio pai. A sua primeira aparição pública verificou-se quando tinha sete anos de idade, em Matosinhos.

Jovens ainda, já Guilhermina ao violoncelo e a sua irmã Virgínia (3 anos mais velha) ao piano, eram conhecidas e convidadas para actuar no seio do mundo cultural portuense. Com apenas 13 anos era violoncelista principal da Orquestra da Cidade do Porto, tocando também com o quarteto de cordas Bernardo Moreira de Sá. É nessa altura que o pai consegue que ela tenha umas aulas com o famoso violoncelista Catalão Pau Casals, que no Verão de 1898 actuava no casino de Espinho. Durante várias semanas Guilhermina e seu pai fazem os 16 quilómetros de comboio que separam a cidade do Porto da de Espinho, transportando o violoncelo e as partituras.
Em Março de 1901 as duas irmãs actuaram no Palácio Real de Lisboa. Com 15 anos apenas, Guilhermina respondeu a uma interpelação da rainha Dona Amélia sobre qual seria o sonho da sua vida, dizendo que gostaria de aperfeiçoar os seus conhecimentos musicais no estrangeiro.



A ida para o estrangeiro

Uns meses depois a coroa portuguesa concedeu-lhe uma bolsa para estudar no local da sua eleição, o que possibilitou a ida, acompanhada pelo pai, para o conservatório de Leipzig, Alemanha, onde iria aprender com Julius Klengel, violoncelista da famosa Gewandhaus Orquestra dirigida por Arthur Nikisch, em Novembro de 1901. A vida de pai e filha em Leipzig era extremamente difícil pois a bolsa cobria os custos com as aulas e a estadia de Guilhermina mas não de seu pai nem das despesas acessórias que iam sendo necessárias.








Citação(...)«sem dúvida não tem havido uma violoncelista com o mérito da artista de que me ocupo, que também não tem nada a recear no confronto com os seus colegas do sexo masculino. Mlle. Suggia, possuindo alta inteligência musical e um completo conhecimento da técnica, tem o direito de ser considerada, no mundo artístico, como uma celebridade.»Julius Klengel num certificado em 19 de Junho de 1902 [1]



Família de poucos recursos, rapidamente a situação financeira se foi degradando, com a irmã mais velha, pianista até então já conhecida, a sacrificar a sua carreira futura para sustentar irmã e pais, dando aulas particulares de piano a um grupo de alunos. Com 20 anos, Virgínia providenciava o sustento da família sendo a única que trazia proventos e que financiava todo aquele investimento na irmã. Apesar da agudização da situação financeira, o regresso de Guilhermina foi adiado sucessivamente até à sua apresentação histórica no concerto comemorativo do aniversário da orquestra Gewandhaus em 26 de Fevereiro de 1903. Nunca um intérprete com apenas 17 anos havia actuado com a orquestra, muito menos como solista e ainda por cima do sexo feminino. O êxito foi fulgurante e, face aos pedidos do público, mas quebrando as regras vigentes, o maestro pediu-lhe que repetisse toda a sua actuação. Iniciava-se aqui o seu sucesso internacional.

regresso ao Porto







Em Março de 1903 regressa à sua terra natal conquistando o público portuense num concerto em que actuou acompanhada pela sua irmã Virgínia. A vida de Guilhermina transforma-se radicalmente e a partir dessa altura é acolhida nas salas de concerto por essa Europa fora, na Suiça, Haia, Bremen, Amesterdão, Paris, Mainz, Bayreuth, Praga, Viena, Berlim, Rússia, Roménia onde o sucesso foi tão fulgurante que o público lhe chamava em coro “Paganina!” ( referindo-se ao eterno Paganini ).



Paris


Em 1906 Suggia está em Paris e toca nessa altura para Casals, que havia conhecido oito anos antes em Espinho, e com quem se tinha reencontrado em Leipzig, durante as visitas do catalão ao professor Julius Klengel. Durante esse mesmo ano começa a partilhar com ele a mesma casa, a Villa Molitor, sendo famosos os convívios do casal com pintores, músicos, filósofos e escritores. O romance com Pau Casals, músico famoso, encheu as páginas dos jornais. O compositor húngaro Emanuel Móor dedicou-lhes o "Concerto para dois violoncelos".
Todavia em 1913, o casal de que tout-Paris falava, separa-se de uma forma abrupta por motivos que se supõe terem sido passionais. Guilhermina muda-se para Londres no ano seguinte e Casals casa-se com uma cantora norte-americana.

Londres


Guilhermina vai viver para Londres que se torna assim o centro da sua actividade musical.


Citação«(...)A precisão dos contornos e ritmos em Bach, o charme delicado em Boccherini, o sonho em Hauré – nada mais perfeito poderia imaginar-se.»Arts Gazette, 29 de Novembro de 1919 [2]


Durante a sua permanência em Londres tocou com a Royal Philarmonic Society, a State Simphony Orchestra, a BBC Simphony Orchestra, a London Simphony Orchestra. Os seus recitais no Royal Albert Hall ou no Wigmore Hall motivam as melhores críticas da imprensa da época.
As entradas em palco eram descritas como imponentes e a interpretação como revelando um domínio absoluto do instrumento e a compreensão total da obra tocada. As críticas da altura referem que os aplausos são estrondosos, ressoando nas salas com assistências enfeitiçadas. Suggia, mais do que aplaudida, é aclamada.




O regresso às origens

Apesar de manter ligações à capital inglesa, adquire em 1924 casa no Portover casa, cidade onde se vem a casar em 1927 com o médico José Casimiro Carteado Mena. Nos anos 30 regressa de vez à sua terra natal reforçando os laços musicais com compositores e intérpretes portugueses, tocando no Porto, em Lisboa, Aveiro, Viana do Castelo, Braga, Viseu.


Citação«(...)a colossal artista emocionou e encantou a assistência, que lhe fez justamente uma verdadeira apoteose. Tocou o Concerto em Mi menor de Elgar com a sua arcada que arrebata, com o brio e a expressão que só ela possui e ouvido em religioso silêncio, teve aplausos intermináveis, tendo de repetir o último andamento.»República, 16 de Fevereiro de 1946 [3]


No final dos anos 40 promove com Maria Adelaide de Freitas Gonçalves, directora do Conservatório de Música do Porto, a criação da Orquestra Sinfónica do Conservatório, integrando alunos finalistas dessa escola, tendo Guilhermina sido solista no concerto de apresentação da Orquestra, a 21 de Junho de 1948, no Teatro Rivoli.
Em 1949, Guilhermina com sinais visíveis de doença fatal que a afectava, cria o Trio do Porto, constituído por ela, pelo violinista Henri Mouton e pelo violetista François Broos.
Em 31 de Maio de 1950 toca pela última vez em público, num recital no Teatro Aveirense, para os sócios do Círculo de Cultura Musical de Aveiro, acompanhada ao piano por Maria Adelaide de Freitas Gonçalves.


Em Junho foi sujeita a uma cirurgia numa clínica em Londres mas foi detectado um cancro inoperável. Na altura é acarinhada pelos amigos e fica especialmente sensibilizada pelo bilhete e flores que recebe da Rainha de Inglaterra. Aceitou o inevitável e preparou o seu regresso ao Porto onde veio a falecer em casa na noite de 30 de julho de 1950.
Guilhermina Suggia tinha vários violoncelos. Entre eles destacam-se os famosos Stradivarius (Cremona, 1717) e Montagna (Cremona, 1700 - dúvidas no 3º algarismo mas supõe-se ser um zero). Por desejo testamentário foram ambos vendidos e com o fruto da sua venda foram instituídos prémios anuais aos melhores alunos de violoncelo da Royal Academy of Music de Londres, do Arts Council da Grã-Bretanha e do Conservatório de Música do Porto.
Em 1923 o Governo de Portugal agraciou-a com a insignia de oficial da Ordem de Santiago da Espada, uma honra raras vezes concedida a senhoras, e em 1937 foi promovida a comendador da mesma Ordem. Em 1938 foi-lhe concedida a Medalha de Ouro da cidade do Porto.

Obra

Guilhermina revolucionou o instrumento em técnica, posição e sonoridade. Abriu as portas profissionais do violoncelo às mulheres, até então quase fechadas. De facto, o considerável gasto de energia exigido para manejar a envergadura do violoncelo, acrescido do facto de as boas maneiras da época obrigarem a colocar o instrumento de um ou outro lado do corpo obrigando a uma significativa contorção do dorso, tornavam o instrumento ainda mais inacessível às executantes femininas.( Note-se que ainda em 1930 o violoncelo era tido como um instrumento indecoroso para as mulheres, sendo então proibida a contratação de violoncelistas mulheres pela própria orquestra da BBC).



Citação«Suggia é soberbamente temperamental, sendo sempre ela que dirige o seu temperamento, sem nunca ser dirigida por ele. No Concerto de Schumann anima com o fogo da sua personalidade o que de outro modo ficaria morto; com a esplêndida largueza de arco e a vivacidade do seu som, Suggia dá alento e brilho à peça.»The Daily Mail, 27 de Outubro de 1922 [4]


Para Suggia, o violoncelo é o mais extraordinário de todos os instrumentos, considerando-o ela o único que tem a possibilidade de suster um baixo por um longo período e a possibilidade de cantar uma melodia praticamente em qualquer registo. Porém, para que se revele a substância musical do violoncelo, é preciso que a técnica não seja estudada apenas como destreza, mas que tenda sempre para a música.



"A técnica é necessária como veículo de expressão e quanto mais perfeita a técnica, mais livre fica a mente para interpretar as ideias que animaram o compositor". [Guilhermina Suggia, "The Violoncello" in Music and Letters, nº 2, vol. I, Londres, Abril de 1920, 106].



Em 1923 o pintor inglês Augustus John haveria de deixar na tela [5] para a posteridade um pouco da fibra e da atitude interpretativa de Guilhermina Suggia durante as suas actuações. Conforme o próprio relatou, durante as sessões no seu atelier, Suggia tocava Bach. É divino o momento que capta o pintor. Coloca-lhe, por isso, um fantástico vestido vermelho.



Suggia tocava todos os importantes concertos da época para violoncelo e orquestra – os concertos de Haydn, Elgar, Saint-Saëns, Schumann, Eugène d’Albert, Dvořak.


Discografia


Em 78 rotações:
1924 de peças de Senaillé e Popper
1928 de um concerto de Haydn, uma sonata de Sammartini, uma Suite de Bach e uma Elegia de Fauré, com um orquestra não especificada dirigida por John Barbirolli
1946 uma gravação do concerto de Lalo com a Orquestra Sinfónica de Lisboa dirigida por Pedro de Freitas Branco
Em CD:
2004 CD Guilhermina Suggia plays Haydn, Bruch, Lalo, na etiqueta Dutton (CDBP9748), U.K., .



Bibliografia

CLÁUDIO, Mário, Guilhermina, INCM, Lisboa, 1986.
POMBO, Fátima, Guilhermina Suggia ou o Violoncelo Luxuriante, edição português / inglês, Fundação Eng.º António de Almeida, Porto, 1993.
POMBO, Fátima, A Sonata de Sempre, Edições Afrontamento, Porto, 1996.
"GUILHERMINA SUGGIA, EL AMOR OCULTO DE PABLO CASALS" de ANA MARIA FÉRRIN editado na revista "HISTÓRIA 16" de Novembro de 2006

Ligações externas

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