sábado, 3 de março de 2007

S. José Lapa




Maria de São José Mamede de Pádua Lapa (Lisboa, 19 de Março de 1951) é uma actriz e encenadora portuguesa.
Estreia-se em 1972 na Casa da Comédia, com a peça Deseja-se Mulher, de Almada Negreiros, encenado pela sua irmã, a actriz e encenadora Fernanda Lapa. Conclui na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa o Curso de Formação de Actores e Encenadores, após o que dirige Amélia Videira na peça A Húngara. Nesse ano funda a companhia de teatro A Centelha, que é contratada pelo Estado Português para desenvolver no distrito de Viseu um projecto de animação, promoção e descentralização teatral. Aí trabalha, entre outros, autores como José Gomes Ferreira, António José da Silva - o «judeu», e Alberto Lopes, em mais de trezentos espectáculos por todo o distrito durante pouco mais de um ano. Lecciona Movimento e Drama na Escola do Magistério Primário de Viseu.
De novo em Lisboa é dirigida por Filipe La Féria na peça A Paixão de Pier Paolo Pasolini, de René Kaliski, ao lado de Rogério Samora (Casa da Comédia). Recebe da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro o prémio para a Melhor Actriz do Ano pelo seu desempenho na peça Casamento Branco, de Tadeusz Rozewitch, encenada por Fernanda Lapa.
Ingressa, posteriormente no Teatro Nacional onde se estreia, dirigida por Artur Ramos na peça Fernando Talvez Pessoa, de Jaime Salazar Sampaio. A partir daí, salienta a sua interpretação nas peças Mãe Coragem, de Bertolt Brecht, encenada por Jean-Marie Villigier; Guerras do Alecrim e Manjerona, de António José da Silva - o «judeu» e O Leque de Lady Windermere, de Oscar Wilde, ambas encenadas por Carlos Avilez; Passa por Mim no Rossio, texto e encenação de Filipe La Féria.
Presença regular na televisão, estreou-se com Herman José em Humor de Perdição (1987), integrando, depois o elenco de Casino Royal e, com Filipe La Féria Grande Noite (1990). Participou depois em séries, novelas e telefilmes.
No cinema trabalhou com Angela Linders e Monique Rutler, sendo Tráfico, de João Botelho (1998) e Maria e as Outras, de José Sá Caetano (2004), as suas mais recentes participações.
Na encenação salienta os seus últimos projectos - 12 Mulheres e 1 Cadela baseado em textos de Inês Pedrosa, para o Teatro da Trindade (2005) e Sonho de Uma Noite de Verão para o Espaço das Aguncheiras (2006).
É irmã da actriz Fernanda Lapa.



Era hiperactiva, tinha terrores nocturnos, e a impaciência era característica que lhe ficava bem (ainda hoje lhe assenta como uma luva), mas confessa já ter a tranquilidade que a idade traz. Uma idade, diz, que também lhe tirou ‘doses’ de sedução. Aos 54 anos? Modéstia! Mas é assim, em traços gerais, que se define a mulher que nasceu em Lisboa, no dia do pai (São José), e que, por amor ao santo, lhe ‘roubou’ o nome. A homónima é a actriz Maria de São José Lapa, que até 22 de Maio tem em cena no Teatro da Trindade, Lisboa, a peça ‘12 Mulheres & 1 Cadela’. A cadela é sua e a 13.ª estrela da companhia, mestre do improviso (e quando improvisa a sério, deixa rasto ). As outras onze são Alexandra Freudenthal, Alexandra Leite, Ângela Pinto, Carmen Santos, Gracinda Nave, Jo Bernardo, Joana Manaças, Lucinda Loureiro, Paula Guedes, Rita Rodrigues, Inês Lapa Lopes (filha de São). Mas à senhora que se segue cabe também a encenação do espectáculo com textos de Inês Pedrosa. São José Lapa fala da peça, uma espécie de homenagem, mas também de si.- Como surgiu a ideia de encenar esta peça? É leitora de Inês Pedrosa?- Sou, sobretudo, leitora assídua das suas crónicas, além de a conhecer há muitos anos. A peça surge como o reviver, o fazer uma ponte com um espectáculo que fizemos há 21 anos, que tinha como título ‘A Paixão Fim de Estação’ que deu muito que falar. Uma peça em que entrava eu, a Lucinda, a Ângela e a Teresa Roby, que morreu há dois anos. Estava eu ainda na ressaca da morte dela e de outras pessoas e pensei pegar no tema que nos foi querido na altura, agora filtrado por esta idade. Fomos as três almoçar, no mesmo dia em que fazia 21 anos que estreámos essa peça (4 de Abril de 2004), e aí estabelecemos que íamos para a frente com o projecto. Naquela altura, o espectáculo fazia a relação entre a paixão, as estações do ano e as fases da lua, mas como não havia ninguém que ocupasse o lugar da Teresa, resolvi que passássemos das quatro estações aos doze meses do ano e por isso somos doze. A cadela aparece porque não gosto do número doze. Também porque, nas primeiras reuniões, pensei na construção do espectáculo como uma espécie de Última Ceia e a cadela seria o Judas.- Como foi o processo de construção?- Fomos trabalhando e trazendo material literário, ideias, poemas, canções, gravámos muitas das nossas conversas e houve um dia que a Lucinda trouxe ‘Fica Comigo Esta Noite’ (Inês Pedrosa) e adoptámos um dos contos.- E a parceria entre encenadora, actrizes e escritora funcionou bem?- Houve sempre uma empatia muito grande. A Inês foi ver logo os primeiros ensaios e entretanto levou mais textos e um dos monólogos dos contos ‘Fica Comigo Esta Noite’, a que pôs como subtítulo ‘A Apaixonada que Vai Morrer’, fala de uma mulher cancerosa apaixonada por um homem do passado e só quer estar com ele até final dos seus dias, sentir que é o Eros... A existência da vida ainda palpitante, e esse texto impressionou-me muito, porque de alguma maneira o tema é-me familiar. De algum modo fui ligar à minha sobrinha, que também morreu de cancro, e à Teresa Roby e, na adaptação, apropriei-me do texto de tal maneira que percebi o que queria. Esta é uma reza e um luto a um deus ou a nós próprios, e a peça tomou o seu rumo.- Esta é uma peça para mulheres?- Não, é de mulheres para toda a gente. Sobretudo porque, além da componente que permite que o público se divirta, apela à reflexão.- E a mulher São José, quem é?- Quando era miúda e até mais tarde acho que era hiperactiva – a minha mãe dizia que eu até tinha terrores nocturnos –, mas sempre fui muito determinada. Hoje estou mais calma, sou perseverante e por outro lado impaciente. - É sedutora? - Já fui mais sedutora. Perde-se o processo químico. A partir de determinada idade o sexo passa a não ter a importância que tinha.- Fale de si. Casou...- Com 25 anos. Estou casada há 28, mas separada há 23. Não vivo com o meu marido, Alberto Lopes, pai da minha filha, mas damo-nos imensamente bem.- Recorde o seu percurso.- Sou actriz há 32 anos. Estudei no Conservatório Nacional e estreei-me aos 21 anos na Casa da Comédia, na primeira peça encenada pela minha irmã, ‘Deseja-se Mulher’, em 1972.- O mundo das artes, da representação, sempre lhe foi próximo. Agora até a sua filha está no palco...- Para esta peça, lancei-lhe um repto e ela aceitou. Mas a Inês é formada em Artes Plásticas, Escultura, e fez o cenário do espectáculo.- Que papel lhe deu mais gozo?- Acho que todos eles têm as suas dificuldades e é nesse desdobrar que está o grande desafio. No levantamento da personagem há prazer, mas também dor, se bem que antigamente havia mais. Mas acho que devia ter ido mais cedo para a encenação.- Gosta mais de encenar ou representar, para si, é como ‘respirar’?- Gosto imenso de encenar. É quando me sinto mais em paz comigo. Gosto de interpretar, mas respiro melhor ali no Cabo Espichel, onde vou dedicar-me de corpo e alma ao meu projecto, ao meu centro de artes. Tenho uma quintinha onde este projecto está a andar. O ano passado fizemos um curso de agricultura biológica e biodinâmica. Mas será, sobretudo, um espaço de espectáculos de diversas culturas, dedicado a todas as artes: teatro, artes plásticas, vídeo, música... Uma das coisas que ainda não está desenhada e falta é o anfiteatro. É perto da Praia do Meco.- Encenar é um trabalho de gestão?- De recursos artísticos, de talentos, de saber gerir as relações entre as pessoas. Neste caso são 12 actrizes generosas.- Há uns anos dizia-se que não havia público para o teatro. E agora?- Há o 25 de Abril e um ‘boom’ de apoio ao teatro e o poder começou a ter medo da palavra. Eu própria estava numa peça que foi proibida (Eva Peron), onde conheci o pai da minha filha. Depois houve a censura televisiva. Enfim, isto tudo para chegar à conclusão que os diversos poderes tiveram medo da palavra. É uma das coisas que subsiste em Portugal: somos muito medrosos, o que nos dá para ser subservientes em determinados momentos e pouco corajosos quando temos de enfrentar o problema de frente, sem usurpar o lugar do outro, porque a liberdade é isso mesmo. Durante anos, o poder desvalorizou o teatro porque tínhamos uma grande voz, sobretudo nos Media.- E hoje?- Digamos que a partir dos anos 90 as coisas mudaram. Mas nós tivemos de passar, de facto, por um momento perigoso graças a alguns ‘velhos do Restelo’. - Teatro, cinema ou televisão?- Gosto de todas, mas acho que fundamental é que o actor se apaixone pelo que faz. Para mim, o melhor é uma personagem cheia de contradições. Mas é evidente que gostava de fazer muito mais cinema, mas a minha época já passou.- Representar mexe mais com a emoção?- Sempre. Um actor não pode ser um mero locutor da palavra do escritor, é necessário aquilo que se chama a ‘alma’ da coisa. - Está ligada a que teatro?- A nenhum. Estava no Teatro Nacional há 21 anos, mas colocaram-me a questão (e a outros actores): ou faz teatro ou televisão? Tive de sair, porque faço televisão. - Neste momento está a fazer ‘Mistura Fina’ (TVI). O público português aprecia cada vez mais a novela portuguesa?- Não tenho dúvidas que sim, o problema é que o produto brasileiro tem anos luz de qualidade. Por cá faz-se rápido e mais ou menos bem. Podia fazer-se melhor e recorrer aos excelentes nacos literários de contos de dramaturgos contemporâneos vivos. São muitos os que escrevem e bem.


PERFIL


Nasceu em Lisboa, no Largo do Caldas, mesmo no coração da cidade, a 19 de Março de 1951. Cresceu num ambiente familiar que acabaria por influenciar a sua carreira. Ainda menina acompanha a irmã, Fernanda Lapa, sete anos mais velha, nos ensaios desta, mas também dos progenitores herdou o ‘dom’. É que a mãe (Palmira Lapa), veio da Beira para Lisboa, só para o Curso Superior de Piano e de Canto. Também o pai, Fernando Lapa, cantava. Ela só podia acabar nos palcos.Em 1981 entrou na peça ‘Casamento Branco’ (mais um trabalho da irmã), que lhe valeu o Prémio da Crítica para melhor actriz. Ao palco juntou algum cinema mas, nos últimos anos, a actriz tem feito muita televisão. A par das novelas, recorde-se os seus fantásticos papéis nas séries de humor ‘Casino Royal’ e ‘Humor de Perdição’, ambos de Herman José.



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