sábado, 17 de março de 2007

Maria Judite de Carvalho


Maria Judite de Carvalho (Lisboa, 18 de Setembro de 1921-Lisboa, 1998), escritora portuguesa, casada com Urbano Tavares Rodrigues, viveu na Europa (França e na Bélgica) entre 1949 e 1955. Apesar da notória qualidade e profundidade da sua obra e da sua escrita (entre o poético e novelista, entre o cómico e o grotesco, num registo ora trágico, ora ironicamente perverso), a autora permanece ainda desconhecida do grande público.


"Maria Judite de Carvalho permanece uma escritora de actualidade renovada, difícil de catalogar no estilo que geralmente lhe é associado (herdeiro do existencialismo e do chamado “novo romance”), hábil dissecadora do desespero e da solidão quotidiana na grande cidade.", conforme referido em http://www.mulheres-ps20.ipp.pt/Maria-Judite-de-Carvalho.htm. A ssuas obras não pretendem dar explicações ou ser tratados morais ou comportamentais pelo que a explicação é substituída pela insinuação e pela sugestão, de onde decorre a opcção por uma escrita "limpa", sem excessos estilísticos, a por narrativas breves.

Alguns apontamentos sobre a sua obra


O Silêncio aparece, na sua obra, como consequência da incompreensão que advém do cruzamento de vozes, de diálogos de surdos e de monólogos, sendo fruto da Solidão e do abandono tantas vezes (pres)sentido pelas suas personagens, aparecendo a solidão como essência do Humano.
Nas personagens de Mª Judite de Carvalho projecta-se a solidão enquanto presença constante da inquietação e do desassossego, da depressão, da negatividade, da autodenegação e da vontade de se dissipar, devido ao mundo de desconforto que existe e se constrói (visível, sobretudo, na personagem Mariana do conto "Tanta Gente, Mariana").
A existência sem história das personagens desta autora constitui o cenário sobre a qual se ilustram vidas de abandonos, de angústias e de uma solidão irremediável que atinge brutalmente os protagonistas da maioria dos seus contos, em que a solidão aparece como irremediável e perene, compromento qualquer hipótese de felicidade.
Alguns dos títulos dos contos de Maria Judite de Carvalho ilustram, quase como uma bandeira, um universo ficcional trespassado pelo vazio, pelo silêncio, pela irreversibilidade do tempo e pelo fingimento: As Palavras Poupadas (1960) revelam a recusa do discurso excessivo, numa postura de rasura do supérfluo; Paisagem sem Barcos (1963), Armários Vazios (1966) e o título dos contos Impressões Digitais e Vínculos Precários sugerem o vazio que preenche as vidas e a superficialidade das acções humanas; A Janela Fingida (1975) parece querer ilustrar o provérbio "nem tudo o que parece é", havendo sempre lugar para a mentira, para a omissão, isto é, para o fingimento.
Maria Judite de Carvalho, sobretudo nos seus contos, tem, desde os títulos, uma tendência para nomear as suas pretagonistas, colocando os leitores imediatamente perante personagens concretas e distintas: Rosa, numa pensão à beira mar, Anica nesse tempo, George, Tanta gente, Mariana, A avó Cândida, A menina Arminda, ou, menos directamente e mais discretamente, Uma senhora, A Mãe e A Noiva Inconsolável.

Bibliografia
Tanta Gente, Mariana (contos), Lisboa: Europa América, 1988.
As Palavras Poupadas (contos), Lisboa: Europa América,1988. (Prémio Camilo Castelo Branco).
Paisagem sem Barcos (contos), Lisboa: Europa América, 1990.
Os Armários Vazios (romance), Lisboa: Livraria Bertrand, 1978.
O Seu Amor por Etel (novela), Lisboa: Movimento, 1967.
Flores ao Telefone (contos), Lisboa: Portugália Editora, 1968.
Os Idólatras (contos), Lisboa: Prelo Editora, 1969.
Tempo de Mercês (contos), Lisboa: Seara Nova, 1973.
A Janela Fingida (crónicas), Lisboa: Seara Nova, 1975.
O Homem no Arame (crónicas), Amadora: Editorial Bertrand, 1979.
Além do Quadro (contos), Lisboa: O Jornal, 1983.
Este Tempo (crónicas) Lisboa: Editorial Caminho, 1991.(Prémio da Crónica da Associação Portuguesa de Escritores).
Seta Despedida (contos), Lisboa: Europa América, 1995.(Prémio Máxima, Prémio da Associação Internacional dos Críticos Literário, Grande Prémio do Conto da Associação Portuguesa de escritores, Prémio Vergílio Ferreira das Universidades Portuguesas).
A Flor Que Havia na Água Parada (poemas), Lisboa: Europa América,1998 (póstumo).
Havemos de Rir! (teatro), Lisboa: Europa América,1998 (póstumo).




Revelou-se como escritora com o livro Tanta Gente Mariana..., colectânea de uma novela e sete contos publicada em 1959. O livro considerado pela crítica como “estreia notabilíssima, talvez sem precedentes na história literária das últimas décadas” (Ramos de Oliveira, em Jornal de Notícias”) valeu-lhe reconhecimento instantâneo. Mas a sua obra completa (num total de 15 títulos, dois deles póstumos) permanece inexplicavelmente desconhecida do grande público. Nascida em Lisboa a 18 de Setembro de 1921, Maria Judite de Carvalho viveu em França e na Bélgica entre 1949e 1955, ainda antes da estreia literária. O resto dos seus anos, passou-os na capital, cenário de uma infância que evocava feliz: “Andava de bicicleta na Praça da Alegria, ia a pé até ao Campo Grande” (entrevista ao “Jornal de Letras”, 1996) e cujo fulgor não parece ter-se prolongado pela vida adulta que, nas suas palavras, “não foi boa, não” (ibidem). A esta amargura não terá sido alheia a ostensiva hostilização do público português à sua obra, de cuja promoção nunca, de resto, cuidou, avessa como foi sempre foi a toda a espécie de mundanismos. Maria Judite de Carvalho permanece uma escritora de actualidade renovada, difícil de catalogar no estilo que geralmente lhe é associado (herdeiro do existencialismo e do chamado “novo romance”), possuidora de portentosa capacidade para dissecar o desespero e a solidão quotidiana na grande cidade. Em “Tanta Gente, Mariana...” aparece já uma frase premonitória : “Mas hoje são 20 de Janeiro e daqui a três ou quatro meses começo a esperar a morte.” Morte que ocorreria só trinta e nove anos e doze livros depois, mas cujo lastro se deixa adivinhar nestas primeiras páginas, através do percurso de Mariana Toledo, a jovem de 15 anos que descobre, assim sem mais nem menos, que a solidão e a desagregação são as únicas coisas que temos certas. Embrião de toda uma obra futura (obra imprescindível no panorama da literatura portuguesa do século XX), “Tanta Gente Mariana...” é matriz do mundo que sempre acompanharia a obra da escritora . Um mundo só seu , onde o eco de cada passo se transforma no barulho ensurdecedor da passagem do tempo . Várias vezes galardoada, esta “flor discreta” da nossa literatura (como lhe chamou Agustina Bessa-Luis) permanece um grandioso mistério que o público não soube ainda desvendar como merece. Sina na qual foi coeva de Irene Lisboa, curiosamente a única escritora que alguma vez admitiu estar-lhe próxima da alma.

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