Amazonas – da Grécia para o Novo Mundo
Em 1492, Cristóvão Colombo, chegou, ao Novo Mundo, depois conhecido por América e não às Índias como era sua intenção e vamos ver como ele e os seus homens divulgaram o mito das Amazonas.
Colombo, no regresso da primeira viagem ao Novo Mundo, ao aportar a uma das ilhas das Caraíbas, sofreu, por parte de uma tribo guerreira, uma recepção francamente hostil. Sobre esse inesperado encontro escreveu a Luís de Santangel, homem de confiança dos Reis Católicos, nestes termos: «(...) é a primeira ilha que se encontra, para quem vai de Espanha rumo às Índias e onde não há nenhum homem. Estas mulheres não se ocupam de qualquer actividade feminina, só executam exercícios com o arco e flechas fabricados com canas e cobrem-se de lâminas de cobre que possuem em abundância».
Um dos pilotos que acompanhou o navegador Fernão de Magalhães contou ao italiano Filipo Pigafetta (1491-1534) que havia uma ilha só com mulheres. Pigafetta fala-nos da ilha Ocoloro, nas vizinhanças de Java (Ásia), onde as mulheres que «dando à luz algum filho, matam-no se fosse macho e, se mulher, conservam-na consigo. E tão esquivas se mostraram à conversação amorosa que, se algum homem ousasse desembarcar em sua ilha, pelejavam por tirar-lhe a vida».
O conquistador espanhol Hernán Cortés, quando explorava a costa ocidental do México, cerca de 1520, relatou ao imperador Carlos V que muita gente lhe afirmava que era verdade existir «uma ilha povoada de mulheres sem qualquer macho. Em certas épocas os homens de Terra Firme vão visitá-las, elas dão-se a eles e as que dão à luz filhas ficam com elas, se nascem machos rejeitam-nos».
Também, em 1535, Diego d’Almagro (1475-1538), que participou na conquista do Peru com Pizarro, disse ter ouvido, naquela zona, relatos de índios assegurando que havia uma vasta região dominada por mulheres cuja rainha se chamava Guanomilla (que significa céu de ouro) e que nessa tribos era tanto «metal branco e amarelo» que até os simples utensílios para preparar os alimentos eram manufacturados nesses metais preciosos.
UMA ETIMOLOGIA CONTROVERSA
Segundo os Gregos, as Amazonas para melhor manejarem o arco, as flechas e as lanças, comprimiriam, queimariam ou cortariam, na puberdade, o seio direito. Daí a origem do nome a (prefixo de negação) + mazós = peito (em grego), o que significa mulheres sem peito. Esta etimologia tem sido aceite sem contestação, não se percebe bem como. Como mulher o bom senso diz-me que nenhuma mulher queimaria ou reduziria, o seu órgão mais delicado e mais erótico fosse por que motivo fosse. Além do mais há bem pouco tempo Pierre Devambez publicou no Lexicon Iconographicum Mythologie Classicae, 819 espécimes de representações onde nunca as Amazonas aparecem só com um seio. O historiador Andre Tevet falou das Amazonas do Brasil, e também ele se recusou a aceitar que sacrificassem o seio direito, sem perigo de doença ou morte.
As mais antigas representações das Amazonas aparecem-nos em terracota e datam do séc. VII a.C. Depois são inúmeras nos vasos gregos(vasos áticos se figuras negras). Datam do provável encontro entre Aquiles e Pentesileia de 530-520 a.C. Há referências a mais de 60 nomes de Amazonas.
As Amazonas são na generalidade, representadas como mulheres bem constituídas, elegantes, usando a meia túnica, apertada na cintura, com um seio a descoberto e o outro sugerido, por baixo de vestes leves. Na mão têm o arco e às costas a aljava onde transportavam as setas. Também aparecem representadas com um machado de dois gumes em vez do arco.
Os escultores e pintores imortalizaram-nas e o mais célebre conjunto escultórico é o friso do mausoléu de Halicarnasso onde são perpetuadas lutando contra Hércules.
Rio das Amazonas
É possível que o maior rio da América do Sul tenha sido parcialmente navegado por portugueses, no início do séc. XVI, mas foi Vicente Pinzón (irmão de Martín Pinzón, que comandou a caravela Pinta na primeira viagem de Colombo), quem, em 1499 ou 1500, terá, pela primeira vez, chegado à foz do grande rio, a quem pôs o nome de «mar-dulce», pensando tratar-se de um mar.
Porém, hoje é aceite que foi o espanhol Francisco de Orellana quem o terá «descoberto», em Fevereiro de 1542. Este navegador fazia parte da expedição comandada por Gonzalo Pizarro, irmão do conquistador do Peru – Francisco Pizarro – que tinha saído de Quito, no Natal de 1541, com o objectivo de atravessar os Andes, em busca do El Dorado. Gonçalo Pizarro mandou Orellana à frente de um grupo de homens procurar provisões suficientes para poderem atravessar o inóspito território transandino. Porém, como Orellana não regressou nos doze dias combinados, Gonçalo Pizarro, julgando-o morto ou desaparecido, regressou a Quito. Frei Gaspar de Carvajal, que acompanhou Francisco de Orellana nessa fabulosa aventura, relata-nos o sucedido. A expedição, em Fevereiro de 1542, fez uma paragem junto ao Rio Napo (Equador) nas imediações do território dos índios irimaraezes que terão perguntado aos espanhóis se iam «visitar o território das Amurianos a quem eles chamavam ‘grandes senhoras’, pois, se o fizessem, se acautelassem porque elas eram muito numerosas e que os matariam». Carvajal descreveu os inúmeros encontros e acidentes. Em finais de Junho, por altura do São João, a expedição fez uma paragem para festejar o santo, mas de novo tiveram de enfrentar uma tribo hostil. Orellana tentou o entendimento, mas os aborígenes afirmaram «que nos apanhariam a todos para nos levarem às mulheres guerreiras». Os espanhóis responderam com o fogo das armas, a luta intensifica-se e o próprio Carvajal foi ferido. Surgem então as ditas mulheres com arcos e flechas em socorro da tribo. «Elas lutavam com tal ardor que os índios não ousavam recuar e se algum fugia à nossa frente eram elas quem os matavam à paulada (...). São muito alvas e altas, com cabelo muito comprido, entrelaçado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas a pêlo, tapadas em suas vergonhas; com os seus arcos e flechas na mão, fazem tanta guerra como dez índios (...). Em verdade houve uma dessas mulheres que meteu um palmo de flecha por um dos bergantins, e as outras, um pouco menos, de modo que os nossos bergantins pareciam porcos-espinhos.» São palavras de Carvajal. Mil quilómetros de rio vão descer Orellana e os seus companheiros e foi ele quem baptizará este imenso rio de Rio das Amazonas. (Orellana como todos os navegadores do seu tempo lera os clássicos e acreditava nos seus mitos. Afinal que nome melhor poderia ser dado aquele majestoso rio?)
Na América Portuguesa também se divulgou o mito. Em 1576, Pêro de Magalhães Gândavo chamava ao grande rio Maranhão «Rio das Amazonas» comprovando a divulgação do mito no nordeste brasileiro. E adianta este cronista: «Algumas índias há também entre eles que determinam ser castas as quais não conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão, ainda que por isso as matem. Estas deixam todo o exército de mulheres e imitam os homens e seguem seus ofícios como se não fossem fêmeas, trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os machos fazem, e vão à guerra com os seus arcos e flechas e à caça perseverando sempre na companhia de homens e cada uma tem mulher que a serve com quem diz que é casada, e assim se comunicam e conversam como marido e mulher.»
O jesuíta espanhol Cristóvão de Acuña, em 1639, escreveria que em Nova Granada (Colômbia) encontrou «uma índia que disse ter ela própria estado nas terras povoadas pelas mulheres guerreiras».
Até o nosso padre António Vieira repetiu o que se dizia das Amazonas no que se refere ao seu peito (apenas um) guerreiras de Lemnos, no seu Sermão nº 9.
Frei João dos Santos, dominicano dos séculos XV e XVI, conhecedor da Etiópia, diria que numa região de Moçambique, se dizia que: «Junto de Damute está uma província de mulheres tão varonis e robustas, que ordinariamente andam com as armas nas mãos, assim na caça das feras e animais silvestres, como nas guerras, que se lhe oferecem, onde mostram esforço e ânimo mais de homens belicosos, que de mulheres fracas...». Entre estas ilhas está uma povoada de mulheres sem haver homens entre elas; mas em dois meses do ano os admitem como fazem as de Etiópia (...)».
No séc. XVIII, Monsieur de la Condomine constata que «tal tradição é universalmente espalhada em todas as nações que habitam as margens do rio Amazonas, até 150 léguas distante, pelo interior até Caiena (...) e sempre em suas línguas lhes chamam pelo nome de «mulheres sem marido» ou «mulheres excelentes». Mais tarde, em África, Herkovitz estudou a repercussão do «mito» no antigo reino do Daomé (hoje Benin), onde afirma que as Amazonas existiram naquela região e adianta que eram recrutadas entre as mulheres atléticas, sendo obrigatoriamente virgens, e que eram em número considerável, usando lanças, como arma.
O tema Amazonas parece inesgotável.
Em 1997, a revista New Scientist publicou um artigo da investigadora Jeannine Davis-Kimball que refere a descoberta na Rússia, de várias sepulturas de mulheres. A identificação destas mulheres como sendo Amazonas foi feita a partir das armas com que estavam sepultadas e de ferimentos causados pelo uso de armas como pequenos punhais e espadas com que estavam enterradas.
Hoje o mito está desaparecer para dar origem a uma teoria da sua verdadeira existência. Na Lesbia Magazine de Janeiro de 1999 lemos que nas margens do Rio Dom se encontraram montículos funerários, com 2400 anos, onde estavam 21 túmulos de mulheres enterradas com as suas armas. E recentes descobertas na Hungria e China vieram enriquecer a teoria da existência real das Amazonas.
Amazonas da Grécia, das Américas, da Ásia, da África, da Europa: foram ou não uma realidade? O antropólogo brasileiro Darci Ribeiro (1922-1997) afirmou:
«Um povo-mulher contando só com elas, sem homens próprios, se servindo de estrangeiros como reprodutores é plausível e até praticável. Um povo só de machos é uma utopia selvagem».
E as «novas amazonas»? As mulheres que derrubaram preconceitos e cada dia auferem o seu salário e que não aceitaram o tradicional papel doméstico? Encontramo-las todos os dias, algumas mais belicosas que outras. E as mulheres nas Forças Armadas? Curioso que numa recente entrevista a mulheres da PSP em postos de comando, todas afirmavam que nunca tinham tido necessidade de disparar as suas armas. Serão as mulheres pacifistas, mesmo em carreiras onde podem ter de ser «guerreiras»? Talvez escritora e jornalista Inês Pedrosa nos saiba responder.
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