Numa época em que as mulheres estavam confinadas à família, à música e aos bordados, Antónia Pusich defendeu que deveriam também aprender a ler e a escrever para poderem participar na vida social e política do País. Através dos jornais que fundou despertou nas mulheres o sentido cívico que viria a ser uma realidade nos séculos que se lhe seguiram. Conhece-a e admira-a.
1805-1885
Antónia Gertrudes Pusich foi a primeira mulher no nosso país que, como jornalista e directora de publicações periódicas, pôs o seu nome no cabeçalho, sem se esconder, como até aí outras mulheres o haviam feito, atrás de um pseudónimo masculino.
Desde nova que Antónia começou a rabiscar os primeiros versos. Com a educação que o pai lhe dera e os muitos livros de que a rodeou, sabemos que tinha conhecimento de várias línguas e que escrevia desde nova. A vida de casada e os três casamentos, bem como as adversidades da vida, só lhe permitiram que publicasse pela primeira vez em 1841. A sua obra mais conhecida é Olinda ou a Abadia de Comnor Place. de 1848. No prefácio do livro, Antónia Pusich conta que a ideia de escrever aquele romance lhe surgiu depois de ler uma novela de Walter Scott. De facto, no seu livro não faltam todos os ingredientes dos contos de terror, mais ao gosto das brumas britânicas que do nosso sol português, onde não faltam, como refere a investigadora Maria Leonor Machado de Sousa, «tradição, castelos, subterrâneos, ruínas, narcóticos, fugas, salteadores, mortes, tempestades e até um espectro».
Antónia Gertudes Pusich também escreveu sobre membros da família real, que sempre dedicou à sua família e a ela própria uma grande amizade, sendo mesmo íntima amiga da infanta Isabel Maria. A longevidade da escritora permitiu-lhe atravessar diversos reinados - de D. Maria I até ao reinado de D. Luís.
A sua obra literária é extensa e sabe-se que recorreu à escrita para custear as despesas da sua numerosa família. Embora muitos dos seus livros só interessem a investigadores, a sua escrita como jornalista e como fundadora de três periódicos ainda se lê com interesse e agrado. Fundou A Cruzada, A Beneficência e A Assembleia Literária que são testemunho de uma faceta de pedagoga e interveniente na vida social e política. Grande sucesso teve, no Teatro Normal, a apresentação da sua peça Constança ou o Amor Maternal, drama autobiográfico. No fim da representação apareceu no palco com as duas filllas mais novas, tendo sido muito aplaudida.
Antónia Gertrudes Pusich nasceu em Cabo Verde a 1 de Outubro de 1805 e foi a quinta filha de António Pusich, originário da cidade de Ragusa, conhecida em croata pelo nome de Dubrovnik, e de uma portuguesa, Ana Isabel Nunes. António Pusich pertencia à nobreza que se dedicara à navegação comercial e era herdeiro de uma considerável fortuna. Segundo a tradição, ele deveria comandar os navios da frota de seu pai que lhe coubessem por herança. Entretanto, recebera uma educação primorosa, como competia aos varões ilustres do seu tempo, estudando em diversas cidades italianas.
Terminados os estudos e preparação na Marinha, António Pusich viajou por quase todos os países da Europa. Foi em Turim que o nobre de Ragusa conheceu Rodrigo de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal naquela cidade do Piemonte, e que o viria a convidar a visitar Portugal. Em Lisboa, a cultura, o charme, a bela e aprumada figura de António Pusich, com os seus cabelos loiros, os olhos azuis, abonaram decisivamente a seu favor. Não é de admirar, pois, que ao ser apresentado a D. Maria I, esta lhe peça que lhe traga relíquias de santos e esculturas italianas para o mosteiro do Santíssimo Coração de Jesus (Basílica da Estrela) que estava em fase adiantada e que ficaria pronto em 1790.
António Pusich foi, de facto, o responsável pelo transporte, por barco, da estátua de Santa Teresa de Jesus que está naquela basílica, sendo considerado um benfeitor pela rainha, que era muito religiosa, e pelas freiras que ocuparam o convento. Mais tarde, Pusich viria a comprar propriedades naquela zona onde mandou edificar casas.
Numa das suas viagens de regresso a Itália, António Pusich vem acompanhado de Franzini, célebre astrónomo e cardeal, que viria a ser um dos mestres dos príncipes, filhos de D. Maria I e de seu marido e tio D. Pedro III. Não podiam ter sido melhores as relações entre este estrangeiro e a família real portuguesa, como a história se encarregaria de o demonstrar. Um dia, António Pusich é convidado para uma recepção no Palácio de Queluz. É aí que conhece aquela que iria a ser sua mulher, Ana Maria Isabel Nunes, filha de Manuel Nunes, valido da rainha D. Maria I e educador dos infantes mais velhos, D. José e D. João. Como capitão-do-mar de Sintra e Ericeira, Manuel Nunes fez parte da comitiva que foi buscar a Espanha, em 1785, a princesa Carlota Joaquina, que viria a casar com o futuro rei D. João VI. O romance entre António Pusich e Ana Nunes acabou em casamento, com o apoio da própria rainha. Porém, a noiva pôs uma condição: casava, mas não sairia de Portugal. Como filha única, não queria deixar os pais. Não sabemos se António Pusich terá hesitado perante o pedido. O certo é que vai a Ragusa tratar dos seus negócios, deixar a mãe como sua herdeira, participar à família o seu enlace e regressa a Portugal. O ministro Martinho de MeIo e Castro garante-lhe um emprego compatível com as suas muitas habilitações, ao serviço da corte portuguesa. Como sabemos, a Marinha portuguesa gozava, nessa época, de grande prestígio e mais um homem do mar era bem-vindo.
Os pais de Antónia Gertrudes Pusich casam na capela do Paço de Queluz, em 25 de Agosto de 1791.
António Pusich foi acumulando distinções e subindo de posto com regularidade. Em 1798 é responsável pelo brigue Dragão. No ano seguinte, já comanda um bergantim de nome Balão que aporta às ilhas de Cabo Verde. Em 18 de Março de 1801, é nomeado intendente da Marinha de Cabo Verde e Capitão-de-Fragata graduado. Será posteriormente nomeado Governador daquelas ilhas, a partir de 1818. Sabemos pela filha - que mais tarde escreve a biografia do pai - que este foi o único Intendente da Marinha das Ilhas de Cabo Verde, cargo que exerceu durante oito anos. Foi em 1805 que nasceu, na Ilha de São Nicolau, Antónia Gertrudes Pusich, tendo sido o padrinho de baptismo o príncipe regente que se fez representar por um irmão da neófita. Foi para assinalar este nascimento que o pai mandou erigir a capela de Santo António dos Navegantes no Porto Preguiça, que ainda existe.
É Antónia Gertrudes Pusich que nos conta como ela, em pequena, colaborava com os pais no apoio às populações de Cabo Verde, tantas e tantas vezes assoladas por doenças e privações, devido a secas prolongadas e cíclicas. O pai, que ela não deixa nunca de elogiar, teria acabado, naquelas ilhas, com costumes bárbaros, como eram os castigos corporais em público, que o governador anterior cometia contra a população, que era praticamente escravizada.
Desde pequena que Antónia Gertrudes acompanhava o pai nas suas viagens pelas ilhas de Cabo Verde. Era ela também que lhe servia de secretária para redigir certos documentos. Em 1820, dá-se a Revolução Liberal no Porto e as notícias chegam à Ilha de S. Tiago, em Cabo Verde, em 24 de Agosto. Para António Pusich e família. fiéis à: monarquia, iria começar um período de infortúnio e de humilhações. No ano seguinte, ainda como Governador de Cabo Verde, recusa-se a jurar a Carta Constitucional, sem prévia ordem do rei. Para o efeito, manda o filho Pedro António ao Brasil aconselhar-se com o monarca mas o rei, entretanto, já embarcara para Lisboa. A instabilidade nas ilhas de Cabo Verde era enorme. Havia muita gente com poder económico que queria ver o Governador afastado das suas funções, embora grande parte da população das Ilhas estivesse do lado de António Pusich. É certo que ele desde sempre sentira que havia muita gente na corte de D. Maria I e depois de D. João VI que não via com bons olhos as atenções e cargos que os monarcas davam "àquele estrangeiro", como diziam. Diziam mesmo que ele não era merecedor dos cargos, pois "havia nacionais habilitados nas Academias (portuguesas) que o rei devia preferir ao estrangeiro". As eternas invejas e intrigas que rodeiam o poder só que ele não era estrangeiro pois, ao casar com uma portuguesa, tinha adquirido a nacionalidade portuguesa. Pusich, acompanhado da família, chegou a Lisboa, em Setembro de 1821 e foi impedido de desembarcar pelas forças governativas, tendo de aguardar que o próprio rei ficasse como seu fiador. Só então desembarcou.
Antónia Gertrudes Pusich casara pela primeira vez, muito nova, em 1820, com o desembargador João Cardoso de Almeida Amado Viana Coelho, deputado às cortes de 1820, de quem teve seis filhos: João António, Antónia, Alfredo, Maria, Ana e Ema. Esta última filha deste primeiro casamento casaria com Humberto de Luna da Costa Freire e Oliveira, que chegou a coronel. Foi republicano e apoiou Sidónio Pais. Viria a aderir ao movimento revolucionário de 28 de Maio de 1926.
Antónia Gertrudes Pusich casara pela primeira vez, muito nova, em 1820, com o desembargador João Cardoso de Almeida Amado Viana Coelho, deputado às cortes de 1820, de quem teve seis filhos: João António, Antónia, Alfredo, Maria, Ana e Ema. Esta última filha deste primeiro casamento casaria com Humberto de Luna da Costa Freire e Oliveira, que chegou a coronel. Foi republicano e apoiou Sidónio Pais. Viria a aderir ao movimento revolucionário de 28 de Maio de 1926.
O segundo casamento de Antónia Pusich foi, em 1830, com o comendador Francisco Henriques Teixeira, que esteve do lado de D. Miguel. Deste casamento nasceu Miguel (Pusich Henriques Teixeira). Tendo enviuvado pela segunda vez, Antónia Gertrudes Pusich casa uma terceira vez, em 16 de Abril de 1836, na Igreja de Santa Isabel, em Lisboa, com o capitão José Roberto de Melo Fernandes e Almeida. Tiveram vários filhos, a saber: António (Pusich de Melo) : Antónia (Pusich de Melo), Ana Isabel Filomena (Pusich de Melo) e Maria Amélia (Pusich de Melo).
Os muitos descendentes que ainda são vivos têm um grande orgulho da grande jornalista que ela foi.
Antónia Gertrudes Pusich, monárquica e profundamente religiosa, morreu a 6 de Outubro de 1883. A sua obra merece uma nova leitura. Ela não pode ficar confinada às estantes das bibliotecas nem à lápide que a Câmara Municipal lhe colocou na última casa onde morou, na Rua de São Bento, em Lisboa.
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