sábado, 3 de março de 2007

Mulheres cientistas na produção do conhecimento


1. Introdução

Os estudos sobre a participação das mulheres cientistas na produção do conhecimento constituem uma área de pesquisa, em expansão, dentro do programa mais geral das pesquisas sobre as relações entre ciência e gênero.

O termo gênero se utiliza, primordialmente, como gênero gramatical; assim o dicionário de María Moliner o define nos seguintes termos: “acidente gramatical pelos quais os nomes, adjetivos, artigos e pronomes podem ser masculinos, femininos ou (somente os artigos e pronomes) neutros. Tal divisão corresponde à natureza das coisas somente quando essas palavras se aplicam a animais, os quais podem ser machos (gênero masculino), ou fêmea (gênero feminino) (ESTANY, 1996).

Mais que colecionar nomes de mulheres que realizaram contribuições relevantes, ou influentes ao desenvolvimento científico e tecnológico contemporâneo, o que estes estudos tratam de expor é a existência de práticas de exclusão, com sentidos duplos e barreiras do tipo social, institucional, tradicional, que dificultam o acesso das mulheres à carreira científica, ao reconhecimento de seu trabalho e ao desempenho de funções de responsabilidade, ou aos postos mais altos dos escalões acadêmicos. Aqui podemos evidenciar a luta pela igualdade.
Estas pesquisas sobre a presença da mulher na comunidade científica situam-se como marco geral do surgimento dos trabalhos sobre ciência e gênero, que incluem tanto aqueles sobre a construção social dos estudos de gênero, como a dos conceitos científicos aceitados geralmente e a objetividade do próprio conhecimento científico. A teoria feminista da discriminação por sexo conectava assim, nos anos setenta, quando surgiu esta área nova de pesquisa, com outra linha de trabalho igualmente tão emergente, baseada na consideração do conhecimento como crença aceita mais que como crença verdadeira, ou seja, a prática da ciência ser aceita pela sua adequação aos estudos e não somente ao ponto de discussão onde ela é eticamente aceita.


2. A nova sociologia da ciência e a quebra da imagem ideal da ciência

A teoria sociológica dos interesses, que buscava as causas sociais das preferências dos cientistas através da relação entre objetos e interesses da comunidade, mostrou a interação entre atores cientistas e sociais e levaram a estudos etnográficos sobre a produção do conhecimento. A sociologia do conhecimento científico contribuiu para revisar estes estereótipos da ciência, aceitos por historiadores e sociólogos, pelo qual a conexão de caráter sexista resulta evidente.

Na década dos anos oitenta surgiu no mundo acadêmico uma corrente de pensamento cujo objetivo era estudar a relação entre ciência, filosofia e gênero. Nos anos noventa os estudos sobre este tema não diminuíram, mas aumentaram e se estenderam para fora dos Estados Unidos, berço dessa corrente de pensamento (ESTANY, 1996) .

As origens do chamado programa forte da sociologia do conhecimento guardariam assim relação com o esforço coletivo de um crescente número de pesquisadoras que decidiram dedicar-se ao sexismo do próprio conhecimento científico em diversas áreas; entre elas a antropologia, a sociologia, a literatura e a psicanálise.

Pondo em questão a objetividade científica, este foi um dos mais frutíferos pontos de partida do desenvolvimento da sociologia, da filosofia e da história do conhecimento científico, que obrigou a revisar os marcos sociais e políticos tanto como os conceituais que conduziram à aceitação e à difusão de teorias científicas (SANTESMASES, 2000).

É na Universidade de Edimburgo na Escócia, onde se estabelece o marco dos primeiros estudos organizados, com o objetivo de elaborar uma sociologia do conhecimento científico.
A história social da ciência tem suas bases na análise empírica e socialmente contextualizada da ciência, defendida pela nova sociologia do conhecimento científico. A história da ciência praticada dentro da tradição marxista, tem antecedentes vagamente esquecidos. Faremos uma retrospectiva para clarear um pouco o tema: quando o soviético Boris Hessen apresentou em Londres seu estudo sobre os Princípios de Newton em 1931, o qual defendia que as leis fundamentais da mecânica clássica eram um produto das necessidades da burguesia inglesa do século XVII, suas palavras não foram recebidas nem com escândalo, nem com júbilo, mas preconizavam a sociologia da ciência, que começou a se praticar nos anos 70. Outro historiador da tradição marxista é o irlandês John D. Bernal, que em sua conhecida História Social da Ciência propõe-se a analisar a “interação de ciência e sociedade” (1964). Por sua parte, outros autores britânicos da sociologia política da ciência de inspiração marxista são Steven e Hilary Rose (1976), assim como Jerome Ravetz (1971). Os autores marxistas foram tradicionalmente relegados na consolidação institucional do movimento CTS. A respeitabilidade acadêmica parece ter requerido, tanto na Europa como nos Estados Unidos, o sacrifício de praticar a ideologia e o compromisso social.
Barry Barnes, diretor da Science Studies Unit (Unidade de Estudos sobre Ciência) da Universidade de Edimburgo, empreende nos anos 70, a crítica teórica da imagem racionalista tradicional da atividade científica, tomando como base o Winttgenstein das pesquisas filosóficas, (especialmente sua discussão sobre “seguir uma regra”), a antropologia cognitiva de Mary Douglas e o trabalho de história e filosofia da ciência de T. S. Kuhn e M. Hesse. Todas estas fontes indicavam um lugar comum: a relativização, a contextualização e a ênfase no caráter convencional de todas as afirmações de conhecimento que constituem as teorias científicas aceitas. A fundamentação teórica do que se chamou “sociologia do conhecimento científico” concretizou-se no que se considera a declaração programática da escola de Edimburgo: o Programa Forte (Strong Programme) de David Bloor (1976-1991), o autor mais carismático e controvertido desta corrente.
O Programa Forte visa estabelecer os princípios de uma explicação satisfatória (científica) de natureza e mudança de conhecimento científico. Neste sentido, não é um programa complementar com respeito aos enfoques filosóficos tradicionais (empirismo lógico), mas a constituição de um marco explicativo rival e incompatível. Os princípios do Programa Forte são os seguintes:

· Causalidade: a sociologia do conhecimento científico tem que ser causal, ou seja, tem que se centrar nas condições que produzem o estado a credibilidade do conhecimento. Também haverá outros tipos de causas, além das sociais, que cooperarão nas produções de crenças.
· Imparciabilidade: tem que ser imparcial com respeito à verdade e a falseabilidade, a racionalidade e a irracionalidade, o êxito ou o fracasso. Ambos os lados destas dicotomias necessitarão de explicação.
· Simetria: tem que ser simétrica em seu estilo de explicação. Os mesmos tipos de causas explicarão tanto as crenças falsas, como as verdadeiras.
· Reflexibilidade: tem que ser reflexiva. Em princípio, suas pautas explicativas podem ser aplicadas a sociologia em si. A reflexibilidade é um requisito inevitável porque, se não tem em conta, à sociologia seria uma refutação permanente de suas próprias teorias.
O Programa Forte é apresentado como uma ciência da ciência. Seu significado, tal como é defendido, implica na morte da reflexão epistemológica tradicional e na reivindicação da análise empírica: só uma ciência, a sociologia, pode explicar adequadamente as peculiaridades do mundo científico. (BARNES & BLOOR, 1982)
Os esforços dos sociólogos do conhecimento científico encaminham-se então, a partir de meados dos anos setenta, a colocar em prática o programa de pesquisa fundamentado por Barnes e enunciado por Bloor, aplicando-o a determinados episódios da história da ciência. Contam com um precedente cuja publicação, em meados dos anos trinta, teria passado desapercebida. Nos referimos ao livro Gênesis e Desenvolvimento de um Fato Científico, do médico alemão Ludwig Fleck (1935): a primeira análise empírica sobre a construção social da ciência, aplicada ao caso da sífilis. Alguns exemplos dos resultados desta tarefa são os trabalhos de D. Mackenzie (1978) sobre a estatística, de S. Shapin (1979) sobre a anatomia cerebral do século XIX, de A. Pickering (1984) sobre os quarks, de S.Shapin e S. Schaffer (1985) sobre a polêmica Hobbes-Boyle, etc.
O programa teórico da sociologia do conhecimento científico enunciado por Bloor foi posteriormente implementado por um programa prático, nascido na Universidade de Bath (Reino Unido), sobre a aplicação das propostas de Edimburgo: o EPOR (Empical Programme of Relativism, Programa Empírico de Relativismo), baseado no estudo empírico de desenvolvimentos científicos. O EPOR, apresentado por H. M. Collins (1983) e desenvolvido, entre outros por Pinch, Travis e Harvey, tem lugar em três etapas:
Na primeira apresenta-se a flexibilidade interpretativa dos resultados experimentais, ou seja, como os descobrimentos científicos são suscetíveis a mais de uma interpretação.
Na segunda etapa, como se descobrem os mecanismos sociais, retóricos, institucionais, etc., que limitam a flexibilidade interpretativa e favorecem o encerramento das controvérsias científicas ao promover o consenso sobre o que é a “verdade” em cada caso particular.
Por último, na terceira etapa, tais “mecanismos de encerramento” das controvérsias científicas se relacionam com o meio sócio-cultural e político mais amplo.
O EPOR apresenta a melhor representação do enfoque no estudo da ciência, denominado “construtivismo social”. Enquanto o enfoque da escola de Edimburgo era decididamente “macro social”, explorando as conexões causais entre o conteúdo do conhecimento e os “fatores sociais” no sentido mais amplo, o EPOR desenvolve suas pesquisas a partir de uma perspectiva “micro social”. Não obstante o EPOR não deixa de ter um enfoque macro social, se levarmos em conta o último ponto do seu programa: a relação dos “mecanismos de encerramento” com o contexto social geral.
A dificuldade do terceiro ponto do EPOR se agrava quando a análise se aplica à ciência contemporânea. O próprio COLLINS (1985) reconhece que, se existem alguns estudos históricos em que se apresentam a influência de “interesses sociais” em episódios científicos passados, então as pesquisas sociológicas que relacionam episódios da ciência atual com o contexto social, num sentido mais amplo, são mais escassas.


3. Teoria feminista, gênero e ciência

A teoria feminista que enfatiza a discriminação por sexo aplicada à história da ciência e a epistemologia elaboraram novas questões, sobretudo está demonstrando que as instituições e “uma multidão de fatores materiais e orgânicos que compõem esse quadro que é conhecido também como tradição histórica e sócio - cultural” (GARRIDO, 1993). Produziram normas e construíram socialmente conceitos, como o de gênero, aplicados à segregação social e profissional das mulheres. Muitas pessoas que pesquisaram e ainda pesquisam sobre conhecimento científico e gênero apresentam ambos os problemas de forma estreitamente relacionada, (ciência e gênero e a comunidade científica), estas constituem hoje duas linhas de trabalho separadas, embora estejam mutuamente reforçadas.
Se as mulheres não formassem parte da comunidade científica, dificilmente suas visões de mundo, seus problemas (entre eles podemos destacar os de saúde propriamente feminina) e suas reflexões podiam ver-se refletidas na produção de conhecimento filosófico e científico. Por isso, a ausência de um número de mulheres cientistas e pesquisadoras comparáveis ao de homens com essa profissão e a análise do conteúdo desses conhecimentos manifestam os valores propriamente masculinos transmitidos pelas principais correntes científicas ao longo da história da ciência e da técnica. Os valores que o processo cognitivo arrastou e arrasta pode ser considerado um reflexo fiel das normas prévias das sociedades em que esse processo tem lugar.
Assim sugerem-se em numerosos estudos realizados a partir de uma perspectiva feminista, igualdade e diferença de reivindicação da inclusão das mulheres, não só na atividade científica profissional, mas também na elaboração de teorias, através da interpretação de dados experimentais de diversas áreas.
Investigações sobre primatologia (HARAWAY, 1991, 1995) e sobre neuroendocrinologia (LONGINO, 1990). Sobre psicologia foram detectados termos estritamente sexistas, androcêntricos, em numerosas teorias amplamente aceitas.

1.Entre a concepção do óvulo como célula “penetrada” pelo espermatozóide o conhecimento mais recente de que este é “absorvido”, aqui temos duas imagens distintas da natureza.

2. O estudo de enfermidades e da ação de remédios no “homem branco” (etnociência), e não na variedade de homens e mulheres que podem sofrer uma enfermidade determinada e responder à ação de um determinado remédio de forma distinta, a partir daí podemos encontrar aspectos que conduzem a perguntar pela fidelidade dos métodos experimentais que derivam da diversidade.
Deve-se considerar, portanto, esse desenvolvimento científico como majoritariamente masculino, o que afeta também a objetividade científica, que em parte deve ser questionada (SANTESMASES, 2000).

Este pensamento correspondente às imagens construídas na ciência, filosofia e religião sobre a natureza das mulheres (TUANA, 2001).
Esta linha de pesquisa sobre ciência e gênero não é o objeto principal da obra citada. Também estão incluídos estudos sobre a presença da mulher nas comunidades científicas e que apresentam um pouco dos aspectos cognitivos e sociais, de maneira conjunta e estreitamente relacionada.
Foi precisamente a partir dos anos setenta quando o conflito entre gênero e ciência começa a ser objeto de pesquisa. O ressurgir do movimento feminista e o aumento do número de mulheres na comunidade acadêmica fazem destas sujeitos de pesquisas e se constituem, elas mesmas, em objetos de pesquisa. Da sociologia a história da ciência, humanidades e ciências sociais existentes na sociedade “sob a aparência do consenso e da liberdade” (DE MIGUEL ALVAREZ, 1996). O conflito de gênero desenvolve –se assim, na intenção de resolver para as mulheres cientistas a questão da visibilidade que os estudos, até então realizados, pareciam evitar.


4. Participação feminina na ciência e as normas ideais da comunidade científica

O processo pelo qual a incorporação das mulheres à vida científica pública em universidades e centros de investigação tem um espaço de forma massiva no século XX, esta incorporação tem sido estudada com detalhes especialmente nos Estados Unidos (ROSSITER, 1982, 1995).
No entanto, este excesso massivo não teve reflexo no acesso das mulheres aos postos mais altos e aos mais afamados reconhecimentos. Se a segregação dos trabalhos por sexo, o que se conhece também, como discriminação por sectores profissionais, resultaria paulatinamente amortecida, não ocorre o mesmo na discriminação hierárquica. Ponto em que a análise de conteúdo foi muito útil.
As condições que produzem a entrada das mulheres na comunidade científica têm sido acompanhadas por um conjunto de circunstâncias próprias da segregação, ou discriminação (SANTEMASSES, 2000).
Este ponto de vista existe em função de estudos estatísticos, também. Segundo Harriet Zuckermann (1991), em primeiro lugar, as cientistas são menos numerosas que os cientistas: segundo o informe da National Science Foundation dos Estados Unidos, uns 13% do total de pessoas dedicadas às ciências e às engenharias nesse país, em 1984, eram mulheres. Estas têm mais dificuldades que seus colegas homens para obter graus superiores: 19% dos licenciados tornam-se doutores, enquanto que as licenciadas são 11%. Não ascendem por igual em todas as áreas. As cientistas se dedicam em sua maioria às ciências sociais e naturais, segundo o informe citado, inclusive embora estas sejam as áreas em que as mulheres são mais numerosas, o desemprego destas é maior que o dos homens e seus salários menores. Talvez seja por isso que a história profissional das mulheres seja mais breve, menos intensa e menos reconhecida. A evolução, desde então, se passa através das organizações e movimentos em prol da maior participação no meio científico e isso se realiza dentro das Universidades e Centros de Pesquisa.
A participação limitada das mulheres na ciência tem sido estudada com detalhe, como já havíamos mencionado, por Margareth Rossiter (1995)em seus dois volumes históricos sobre mulheres cientistas dos Estados Unidos, ao longo do século XX a até 1970. O número reduzido de mulheres na ciência foi explicado pela autora em termos sociais e econômicos, as dificuldades encontradas pelas pesquisadoras para obter apoio social ao seu trabalho.

As que trabalharam até 1940, estudadas no primeiro volume da obra citada, que haviam recebido formação e obtido o título de doutora, continuaram tendo grandes dificuldades para encontrar emprego. Com a finalidade de ajudarem-se, criaram alguns grupos, irmandades, ou sociedades femininas, que serviram para se apoiarem, afrontando dificuldades comuns e também para aceitá-las, mais que para propiciar uma frente reivindicativa.

O resultado foi a criação de prêmios especiais dedicados a mulheres, que tiveram o seu papel reconhecido pelos seus pares masculinos.
A partir dos anos quarenta, quando se produz o grande desenvolvimento da ciência nos Estados Unidos e de sua comunidade científica, o número de homens dedicados a estes trabalhos multiplica-se por 5 partindo dos 700 doutores em 1945, (ROSSITER, 1995) e o número de mulheres apenas se duplica, com um número de partida sensivelmente menor: 120. A promissora inclusão das mulheres no desenvolvimento científico e técnico durante a Segunda Guerra Mundial, devido à ausência de homens, que na maioria se encontravam nas trincheiras, quando por ocasião da volta, conduziu a uma progressiva masculinização da ciência. Somente com o surgimento do movimento dos direitos civis conseguiu-se que as mulheres cientistas dos Estados Unidos obtivessem igual salário e vissem implantada uma política de discriminação positiva para o acesso a postos acadêmicos por lei, em 1972.
A excepcionalidade já mencionada de mulheres cientistas relevantes e reconhecida por seus pares é tema explorado e analisado em biografias e autobiografias.
Suas histórias pessoais colocam em manifesto as circunstâncias especiais de seu êxito e a fragilidade deste. Também revelam que o acesso à carreira científica está relacionado com a situação social – política, enquanto a estratégias de relacionamento - e com um marco institucional adequado, e também estão dispostas a mostrar as discriminações em lugares e momentos concretos.
O acesso à carreira científica é caracterizado como um processo complexo de redes pessoais, interesses, capacidades cognitivas e de comunicação, de cooperação tanto como de competição, e no que a acumulação de reconhecimento resulta numa situação que o prestígio se retroalimenta com o próprio prestígio, segundo o que há explicado Merton em seu “Efeito Mateus”, baseada nas palavras do grande evangelista da sociologia da ciência “ao que possui se lhe dará em abundância e ao que não possui se acaba o pouco que tem” (MERTON, 1968).

Existem várias formas de interpretar a influência na organização da ciência e o reconhecimento dos cientistas. Até o início dos anos setenta, a sociologia da ciência era baseada no pensamento teórico de Merton, esta representa a corrente dominante e nessa corrente dominante a noção de reconhecimento acadêmico ocupa uma posição central.

O reconhecimento se entende como o testemunho social, público, de adequação às normas, o símbolo manifesto de ter realizado bem a tarefa (...), o interesse pelo reconhecimento é a contrapartida para a motivação do indivíduo com relação ao valor institucionalizado da originalidade. O sistema de recompensas consiste na pluralidade de formas honoríficas (...) mediante as que a comunidade científica concede reconhecimento público aos indivíduos que têm contribuído de modo significativo ao avanço da ciência (MALTRÁS, 1996).

Para compreender qual é o sentido do reconhecimento, é preciso ter também presente outra das noções básicas na corrente mertoniana, sobre o sistema de recompensas, o intercâmbio, segundo o qual o reconhecimento seria uma espécie de pagamento que a comunidade realiza aos indivíduos por socializar seus conhecimentos. O conhecimento se paga com reconhecimento, desta forma o indivíduo e também a comunidade são beneficiados. A recompensa que supõe o reconhecimento atua a serviço da comunidade como incentivo para que os indivíduos continuem se colocando à disposição dos demais seus conhecimentos.
Por outro lado a aplicação das novas tecnologias de informação e comunicação dentro de publicação científica, sob a forma de bases de dados e revistas científicas eletrônicas promete causar alterações fundamentais nesse mesmo sistema, não somente desde o ponto de vista técnico e econômico mas com a criação de comunidades virtuais e corpos de conhecimento digitalizados que modificarão o próprio ciclo do conhecimento científico (SABBATINI, 2000). A transição de um modelo de publicações baseado no papel para outro digital assinala uma oportunidade de reestruturação da ciência produzida nos países em desenvolvimento, mas também pode contribuir para determinados grupos, como por exemplo, as mulheres reorganizem seu protagonismo dentro desse sistema.
Este reconhecimento, a valorização pública das contribuições à ciência, pode-se acumular, assim dizendo, e o resultado é traduzido no nível de prestígio, em outras palavras, se traduz na construção de uma reputação de valor. Evidentemente, o prestígio tem um valor comparativo com respeito aos demais colegas, o que importa é ter mais prestígio que o outro. Por isso, as conseqüências do funcionamento do sistema de recompensas, especialmente enquanto a sua distribuição entre os indivíduos, também atraiu a atenção de Merton e de sua escola. (MALTRAS, 1996) O estabelecimento de uma estratificação social, como aparece especialmente claro em Merton (1957), deriva da quantidade de prestígio que cada pesquisador consegue, representa um foco de atenção principal a esse respeito. Pertencer a um certo status , que se corresponde a um certo nível de “honra e de estima”. Assim, dependendo do prestígio alcançado, um cientista qualquer será considerado eminente, excelente, bom, normal ou medíocre. As conseqüências em pertencer a uma ou outra destas categorias transcendem a psicologia de cada indivíduo, e incidem diretamente no desenvolvimento da carreira científica.
Este contexto sociológico do triunfo científico, da construção da fama e da autoridade intelectual deve ser comparável ao das mulheres. Acrescentando as dificuldades propriamente femininas. Rossiter (1993), buscou um nome para este efeito nas mulheres, efeito pelo qual se desvaloriza a maneira tradicional e sistemática da participação como da presença das mulheres na comunidade acadêmica e científica, o que denominou de "Efeito Matilda", por Matilda Joslyn Gage (1826-1898), sufragista americana que publicou no final do século XIX várias obras sobre mulheres inventoras, mulheres sufragistas e mulheres e religião, e também participou com outras mulheres na elaboração da Bíblia de Mulheres e que dá nome a um efeito que ela mesma sofreu e denunciou.
O efeito Mateus, segundo Merton (1968), é conhecido como um dos fenômenos estudados sobre o reforço que favorece aos que conseguiram reconhecimento e respeito de quem não conseguiu. Isto significa que é mais fácil ter respeito e prestígio por parte de quem é valorizado, do que por quem necessita de respeito. Quem já tem prestígio recebe mais meios e mais atenção, porque já dispõe de uma vantagem comparativa. Trata-se de um processo de retro-alimentação do êxito social. Este efeito pode parecer um desvio indesejável do sistema de recompensas, sob a perspectiva de que o reconhecimento deveria ser estritamente proporcional aos trabalhos de cada indivíduo; Merton aponta algumas conseqüências deste efeito que resultam funcionais para a ciência em seu conjunto. Também tem sido estudado, dentro dessa visão, os desvios induzidos pela excessiva ênfase institucional em valorizar a originalidade, como por exemplo, a fraude, o plágio ou a calúnia de plágio e as disfunções do sistema de recompensas.
O efeito Matilda é muito similar ao efeito Mateus, este foi elaborado com bases nos estudos de Merton, acrescenta todos os pressupostos do conceito elaborado por Merton dentro de âmbito estritamente competitivo comum à questão do gênero. Podemos resumir da seguinte forma: a mulher para conseguir reconhecimento e acumular prestígio, fazer uma reputação, ou melhor, ser considerada pelos colegas, obrigatoriamente tem que se afastar de seus compromissos familiares, pessoais e intrínsecos. Para serem valorizados os méritos de pesquisadora, o que os colegas definem como capacidade científica, mesmo sendo original e possuindo autonomia acadêmica, é obrigatório considerar as especificidades femininas (ROSSITER, 1993).
Os cientistas perseguem o prestígio, guiados por uma espécie de aspiração moral, inscrita nas normas sociais da comunidade científica, a qual dispõe dos mecanismos (o sistema de recompensa) para premiar o triunfo, dentro do seguimento destas normas.
As relações pessoais das mulheres e seu estado civil na sociedade moderna e também na contemporânea são o marco social em que se produz sua incorporação à investigação científica. O desejo de muitas mulheres profissionais de ter filhos tem sido denominado “conflito de papéis”. Se bem que para os homens a descendência não é fator de conflito, argumenta-se que isto surge, precisamente, quando as mulheres que trabalham fora de casa desejam reproduzir-se: são elas as que criam o conflito na sociedade que aparentemente, havia repartido as tarefas, de maneira clara e sensível. Mas, na revisão das biografias pessoais e profissionais de algumas mulheres cientistas, entre outras profissionais, têm-se revelado as variadas formas em que esse “conflito” tem sido superado. Mulheres médicas, cristalógrafas eminentes, bioquímicas agraciadas com o prêmio Nobel, tiveram descendência sem abandonar suas carreiras. A exploração das reações entre a vida pessoal e vida profissional, que influem nas histórias científicas das mulheres, dificilmente é simplificada.
Resulta assim, que somente o conhecimento detalhado das circunstâncias individuais permite compreender e explicar as barreiras que as mulheres tiveram de superar, para introduzirem-se em uma profissão cujo domínio era masculino. Ampla diversidade de ambientes, períodos históricos, disciplinas, problemas familiares, acadêmicos e sociais demonstram-se imprescindíveis para analisar o processo pelo qual tentaram as mulheres ascender à carreira científica. A ausência de simplicidade, ou, o que é o mesmo, a complexidade, caracteriza os estudos sobre essas mulheres, demonstrando-se outra vez que essa complexidade é uma característica principal, na hora de analisar os fatos, que concorreram e concorrem para a igualdade de participação das mulheres na produção da ciência.

Aprofundando nesses marcos pessoais e sua influência nas carreiras científicas de algumas mulheres célebres, detecta-se o papel primordial que tinham desempenhado seus companheiros sentimentais valores mais igualitários que seus contemporâneos, tornaram com seu apoio possível, que elas levassem adiante seus projetos profissionais, como o apoio das esposas aos homens cientistas. Os casais cientistas são um caso especial dentro destes casos em os que as mulheres encontraram incoveniências e vantagens, entre estes o risco de serem reconheidas, independente de seu companheiro. Geralmente, somente quando uma mulher torna-se independente do marido em seu trabalho, separa-se dele profissionalmente, conseguindo assim reconhecimento individual. (SANTEMASSES, 2000).

Apesar de terem sido publicados muitos trabalhos a cerca da participação da mulher em comunidades científicas, o certo é que a maioria dos estudos sobre o desenvolvimento científico contemporâneo analisa as mulheres, freqüentemente, de forma separada.

Esta segregação adicional à social e trabalhista, a analítica, forma parte da necessidade de se explicar o tratamento diferente que as mulheres recebem de seus pares e que a pouco conduz a explicar seu acesso a uma área específica. As mulheres seriam algo assim como as minorias étnicas, ou sociais: hispânicos, negros, grupos sociais e economicamente desfavorecidos. (SANTEMASSES, 2000).

A diferença fundamental entre essas minorias e as mulheres é que estas não são uma minoria social, mas a metade da sociedade. A divisão do trabalho em função do sexo está sendo posta em questão por elas mesmas, ao menos implicitamente, ao tratar de mudar sua função social. Sua atividade familiar e doméstica, a maternidade, o hábito de casar-se jovem, todos esses valores, que as normas sociais haviam atribuído às mulheres, estão sendo mudados - por elas mesmas no momento em que ascendem a um posto de trabalho extra-doméstico remunerado e simultaneamente, ou não, mudando esse panorama, ter descendência e ocupar-se da criação dos filhos.
Os problemas da discriminação por sexo na atividade científica têm um significante número de antecedentes históricos, que sugerem a existência de barreiras que as mulheres tiveram de superar e permanecem tentando superar atualmente, para receber reconhecimento de seu trabalho, o que supõe ocupar um posto profissional entre seus pares masculinos. Os estudos mencionados neste capítulo remetem a contextos sociais, às normas sociais prevalecentes e às mudanças provocadas pelas mulheres enquanto tornaram explícito seu interesse em participar das atividades de pesquisa científica e da docência superior.
Recentemente, um estudo europeu sobre a presença de mulheres cientistas na docência, na pesquisa e na indústria aporta dados que indicam até que ponto a desigualdade é mantida no acesso das mulheres aos postos científicos mais altos. Um informe de 160 páginas mostra que a Europa conta com uma média de uns 7% de mulheres nesses postos, dado em que alguns países não alcançam nem 5%, em um momento em que as mulheres estudantes são a metade do alunado universitário europeu (SONNET Y HOLTON, 1995).
Sua escassa presença nos comitês de decisão - quando chega a produzir-se - propõe-se como uma das causas dessas cifras tão baixas de mulheres, nos níveis mais altos de reconhecimento no trabalho e científico e se recomenda medida da chamada discriminação positiva (OSBORN, 2000).


5. Conclusão

O que verificamos com relação a produção do conhecimento científico é que no decorrer da história sempre houve mulheres que seguiram trajetórias vitais fora das atitudes convencionais estabelecidas, de seu tempo. Naturalizadas em um destino ligado ao sexo e socializados nesse destino, suas vidas nem sempre sucumbiram a esse modelo. Muito pelo contrário, por um ou outro caminho, muitas romperam os modelos e mudaram os horizontes vitais de seus iguais, e de nenhuma forma usaremos o termo “idêntica”, por questões claras. Esse caminho de luta e atuação alcançado, antes impensável é uma mostra de que a participação da mulher na ciência alcançou um espaço que vem aumentando a cada passo.
A exposição e a análise desenvolvidas aqui nos conduzem a pensar que as mulheres foram também grandes responsáveis pelo conhecimento científico, a partir do momento em que tiveram acesso às universidade em condições de igualdade com os homens. O fato é que sua participação nas faculdades de ciências cresceu em um ritmo maior que em faculdades de outras áreas. As mulheres ingressaram nas sociedades científicas sem medir polêmica e sua invisibilidade foi uma das características que mais se sobressaíram nessa estratégia de penetração num meio estritamente masculino, desde o início do século XX
Particularmente, as primeiras cientistas trabalharam ao lado dos homens, no desenvolvimento de suas tarefas científicas. O incremento da participação das mulheres no meio científico e da produção de conhecimento vem ostensivamente se desenvolvendo desde então. Tornando-se visível a parte do protagonismo que corresponde a estas mulheres na ciência e a mudança dos padrões sociais, por outro lado, é importante registrar a participação que tiveram as mulheres na produção do conhecimento, mulheres invisíveis, na maioria. No fundo a necessidade do registro histórico está diretamente relacionada à esperança de que um dia a ciência tenha um rosto humano, assim será mais fácil a construção de uma ciência responsável.

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